20/04/2009

Agrippina 2

Até que enfim apareceu uma crítica com pés e cabeça.

Escreve Manuel Pedro Ferreira ,no jornal "O Público",o seguinte texto que passo a transcrever na íntegra:

"O espectáculo que acaba de estrear em S. Carlos inclui dez minutos de Velório para rir,e duas horas para acabrunhar em consensual velório pelo nosso único Teatro de Ópera.
Comecemos pelos aspectos positivos.O TNSC encomendou a Nuno Côrte-Real um pequeno intermezzo para a ópera Agrippina ,de Haendel,a qual,recheada de hits italianos do autor,e apesar dos seus trezentos anos de idade,mantém a mesma frescura dramática e potencial inspirador.José Luís Peixoto escreveu um libreto divertido e conseguido,pondo em palco os principais personagens da ópera,e o compositor soube explorá-lo de forma adequada e coerente,usando quase os mesmos recursos orquestrais requeridos por Haendel.Este pequeno mas substancial Velório de Cláudio poderia tornar-se ainda mais convincente se a curta abertura e o final,muito abrupto,fossem retrabalhados no sentido de uma ligeira expansão ou do reforço sonoro.Os intérpretes responderam bem ao que deles aqui se pediu.Já o mesmo não se passou em Agrippina.
Abra-se aqui um parêntesis para lembrar que desde à trinta anos,o público português(incluindo o do S. Carlos)tem tido oportunidade de assistir a espectáculos de ópera barroca do mais alto nível,e que paralelamente se têm vindo a formar alguns instrumentistas e cantores nacionais capazes de competir no restrito e exigente círculo dos intérpretes de música antiga.Há um gosto formado e um padrão de qualidade,partilhado por público e por músicos,invariavelmente pautado pelo que de melhor se produz no mundo.
O facto de haver quem se mova com igual à-vontade em música contemporânea e música antiga não significa que todo aquele que aborde uma,aborde a outra com igual competência.
Neste contexto,as escolhas de director musical,encenador e elenco vocal feitas para esta produção(feita em parceria com a Ópera de de Erfur) resultaram no pior espectáculo de ópera barroca de que há memória recente em Portugal e representam um retrocesso cultural incompreensívelpor parte de uma instituição de que se esperaria exemplar exigência e responsabilidade.Em concreto:o maestro habituado sobretudo a dirigir música moderna,tentou pôr a Orquestra Sinfónica Portuguesa a soar à barroca,no que teve limitado sucesso,tendo falhado também na coordenação rítmica das linhas vocais e orquestrais,frequentemente divergentes,e na exploração dos tempi,demasiado inflexíveis.
A encenação foi confrangedora,de pobre na invenção,de arbitrária nas sugestões gestuais,de convencional na movimentação,de caricatural na direcção de actores.Em palco,estiveram um contratenor que insiste em dar razão a um currículo de terceira ordem(Manuel Brás da Costa,como Narciso);um contratenor mais competente mas destimbrado,e que naufraga perante as exigências virtuosísticas e expressivas da escrita barroca para contralto,o que foi dolorosamente patente na ária Voi che udite il mio lamento,tornada irreconhecível(Andrew Watts,como Ottone);e um baixo respeitável,mas em que agilidade e agudos pediram certamente reforma antecipada(Reinhard Dorn,como Cláudio).Chelsey Schill(Poppea) deu vocalmente conta do recado,mas esteve,sem surpresa,mecânica,e arruinou por precipitação a sua primeira e bela ária,Vaghe perle.
Valeram-nos a voz rica e afinada do tenor Musa Nkuna(Nerone),que se colou bem ao papel e correspondeu às sua exigências técnicas,descontando uma estridência pontual no topo da tecitura;a segurança e o profissionalismo dos barítonos Luís Rodrigues(Pallante) e Jorge Martins(Lesbo);e sobretudo a grande presença cénica e musical da soprano Alexandra Coku(Agrippina),única a fazer jus à riqueza da invenção melódica e dramática de Haendel(e única,neste elenco,a fazer carreira no domínio da música barroca).Elegante,sugestiva,inteligentemente expressiva na sua voz exacta,as suas árias do final do 2º acto,Pensieri e Ogni vento,foram o ponto culminante deste espectáculo,uma razão atendível para que se possa dele guardar,apesar de tudo,um resquício de boa memória."

99% de acordo com Manuel Pedro Ferreira.Crítica objectiva,salientando os aspectos positivos e negativos,honesta,"limpinha",sem segundas intenções e interesses obscuros ou a tentar arranjar trabalho para amigos.
Comparar esta crítica com a do Doutor Henrique Silveira é a mesma coisa que comparar merda com brilhantina!!!!!!

"A música é celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição."
Aristóteles

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